Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Volume 38 - O pequeno Lorde - Frances Hodgson Burnett

Frances Hodgson Burnett é, nos dias de hoje, mais conhecida por sua obra O jardim secreto, que foi transformada em filme nos anos 1990, mas sua fama atravessou os mares quando ela publicou O pequeno lorde, que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil apresenta aos leitores em seu trigésimo-oitavo volume.

Publicado pela primeira vez em 1886, o livro conta a história de Cedric Errol, o menininho de sete anos órfão de um pai que era o terceiro filho de um conde inglês, e de uma mãe americana, e que de repente vê sua vida mudada porque o avô, a quem jamais havia conhecido, manda buscá-lo nos Estados Unidos para que viva com ele e aprenda sobre sua linhagem e sua importância, e passe a ser o Lorde Fauntleroy, dono das terras do avô quando este viesse a falecer.

O avô era, na verdade, movido pela solidão e pelo orgulho de sua linhagem, e não por amor. Solitário, ranzinza e amargurado, tendo morrido os três filhos, chama o neto e a mãe, mas recusa-se a conhecer esta, por acreditar que os americanos não passavam de gente baixa, sem educação e cuja personalidade era carregada de interesse e de ganância. Não sabia ele que não só sua nora era a mais digna, educada e recatada das damas, mas incutia no filho o orgulho de ser filho de seu pai e o amor pela virtude, pela verdade e pela caridade, além de um otimismo sem fronteiras. É assim que, vendo-se dono de uma pequena soma de dinheiro ainda nos Estados Unidos, antes de partir, Cedric ajuda a seus amigos, o vendeiro republicano, a família de sua ama de leite, e o engraxate Dick, de quem é também amigo, mas nada compra para si.

O amor e a natural expansão de Cedric, que desconhece o verdadeiro motivo pelo qual o avô o leva à Inglaterra pelas mãos do advogado da família, acabam não só por desarmar o velho homem de sua amargura e de sua descrença na humanidade, mas por curá-lo e também por distribuir com justiça a ajuda aos mais empregados necessitados do condado. Eventualmente, o velho lorde acaba conhecendo sua nora e reconhecendo que ela era a melhor das damas. Entendendo que o neto, com quem morava, jamais deixaria de amar a mãe por mais que se lhe dessem ou com ele estivessem (pois o avô tentara, de primeira, comprá-lo com brinquedos e livros), o homem convida a nora a morar com eles no castelo, posto que ela morava nas propriedades, próximo ao castelo desde que se mudara para a Inglaterra, mas não com o filho.

Não poderia, contudo, deixar de haver o contraponto da felicidade e da lição de vida que o pequeno ensina a todos, espalhando o amor, a justiça e a caridade. A certa altura da história, quando já era reconhecido por todos do condado como o pequeno lorde Fauntleroy, Cedric vê seu posto ameaçado por um repentino herdeiro, que seria filho do primogênito do velho conde. A situação viria a tomar proporções de manchetes internacionais e, assim, nos Estados Unidos, seus amigos saberiam do drama, e teriam condições de ver, pela foto dos jornais, que a mãe do suposto herdeiro era senão a ex-cunhada de Dick, pilantra de marca maior que de fato havia se envolvido com o filho do conde, mas cujo filho era na verdade resultado de sua relação com Ben, irmão de Dick. Em tempo, a farsa é desmascarada e a paz passa a reinar nessa história escrita para crianças.

Há, nesta história de amor familiar, dois aspectos que se pode comentar. O primeiro deles é, certamente, a questão política da rivalidade entre os valores históricos ingleses versus os valores de igualdade pregados pela república norte-americana, aqui colocados por uma autora que havia nascido inglesa e que, ainda jovem, havia se mudado para os Estados Unidos. No início, incute a personagem do vendeiro com toda a gana contra os ingleses e seus preconceitos contra a linhagem, a exploração, a desigualdade entre os britânicos, quando em seu país todos tinham chances iguais e poderiam, se quisessem, candidatar-se a presidente. Porém, com o desenrolar da história, conforme Cedric se inteirava de sua linhagem e da realidade de sua posição e das famílias que viviam no condado, ele ia entendendo que a desigualdade e a injustiça dependiam principalmente da personalidade e do modo de governar, e não do mero fato de ser inglês ou de se estar na Inglaterra. E, sendo a história produto do trabalho de uma filha da era vitoriana, em que o expansionismo inglês estava ainda a toda na Ásia, não poderia ser diferente.

O segundo aspecto que chama a atenção para este livro é o modo como o caráter da personagem Cedric Errol, o pequeno lorde Fauntleroy, é construído, bem como o enredo. Digo isso porque, ao ler a história, não pude deixar de estabelecer relações óbvias com Pollyanna, de Eleanor Holdgman Porter, publicado em 1911 e cuja história fala de uma órfã que vai morar com a amargurada e reclusa tia Polly, uma mulher rica que, à custa da inocência, do amor e da crença de sua sobrinha na justiça e na caridade, passa a fazer caridade e a atender a diversas famílias da região, para finalmente perceber que se torna uma mulher completamente diferente e mais feliz, por amor da sobrinha, sempre tão otimista e querida por todos, e que a transforma pouco a pouco num ser cujo amor e cuja compaixão se tornam evidentes. Imagino, na verdade, que haja estudos comparativos de ambos os enredos, e embora os contextos sejam diferentes e não haja a situação política em Pollyanna, obras como essas -- inspiradas por Frances H. Burnett, são ainda hoje fundamentais para a formação da criança, já que a necessidade de formar pessoas justas, amorosas e caridosas, independentemente de onde vivam, jamais morre.


Fonte de informações sobre a autora (em inglês): http://en.wikipedia.org/wiki/Frances_Hodgson_Burnett

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