Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Volume 6 - Alice no País das Maravilhas/ Alice no País do Espelho - Lewis Carroll

Os livros do autor conhecido como Lewis Carroll não costumam cair no gosto popular porque não são fáceis de ler e tampouco de serem entendidos, embora apresentem o fascínio de um mundo novo e profundamente questionador. Originalmente um matemático que tinha gosto por temas da infância, Carroll escreveu os livros de Alice, de acordo com o que se conta, porque sua amiga -- uma menina de 10 anos chamada Alice Liddell -- gostara da história que ele, então com 30 anos, havia começado a lhe contar, e lhe pedira então que a pusesse no papel. A história fantástica da menina que cai num buraco de seu jardim e vai parar num poço inimaginável, onde os seres mais incríveis têm vida, organizam-se, obedecem, governam e julgam atravessou as décadas sem que se amenizasse a qualidade das charadas e das lógicas matemáticas ali escondidas e tampouco deixasse para trás toda a polêmica que gerou. Basta prestar atenção, atualmente, no frisson que a mais nova adaptação da história, trazida à grande tela pelas mãos de Tim Burton e pela atuação de Johnny Depp, está causando -- e o filme sequer foi lançado.

Se há algo de muito interessante a destacar em Alice no País das Maravilhas e Alice no País do Espelho, originalmente publicados em 1865 e 1871 respectivamente, é que este elemento especial encontra-se não no enredo caótico , mas nas personagens e na atmosfera que o caos cria. O narrador apresenta os sonhos de uma menina que transita pelo mundo do fantástico perseguindo um coelho com jaqueta e relógio, um Chapeleiro Maluco, um Gato Careteiro, como traduziu Monteiro Lobato neste volume apresentado na coleção Clássicos da Literatura Juvenil, ou todo um baralho personificado, em que a Rainha de Copas é a matriarca que manda degolar a todos sem motivo realmente fundamentado. Ou, no segundo livro, novamente trata-se aparentemente de um sonho em que a menina Alice entra no espelho e vive os episódios "ao contrário", no qual uma personagem se desmancha no ar e um ambiente transforma-se em outro, caoticamente, como geralmente ocorre nos sonhos que temos e que não seguem um roteiro cinematográfico clássico e muito bem ordenado.

Para entender as motivações de Lewis Carroll (cujo nome real era Charles Lutwidge Dodgson) é preciso entender de que época e de que lugar ele é produto. Lewis é filho da segunda revolução industrial, época marcada pelo expansionismo inglês, pela consolidação da burguesia e do capitalismo elevado ao estágio seguinte -- o imperialismo norte-americano --, dentro de um governo paradoxal, em que se expandia ao mesmo tempo em que se subjugava outras nações, nos continentes africano e asiático, ao poderio militar, político e econômico inglês. Embora muitos considerem o governo da Rainha Vitória o primeiro voltado a questões socialistas, não deixava nunca de se tratar da sustentação de uma base econômica voltada ao lucro e segundo a qual a política era moldada. Ao mesmo tempo em que os sindicatos eram suficientemente fortes para brigarem politicamente por melhores condições de trabalho, na Inglaterra, milhares de trabalhadores morriam na França, na Comuna de Paris, e outros tantos milhares eram presos. Fervilhava, na velocidade da máquina movida a vapor, o caldo do modelo de civilização e de trabalho como conhecemos no século XX, bem como o sistema judiciário, além dos já mencionados econômico e político. Nesse cenário, aqueles que eram contra a situação eram rapidamente presos, julgados, condenados e calados.


Por outro lado, havia uma onda mercadológica e política que levantava a poeira do status da criança e da mulher na sociedade britânica, já que os homens estavam fora cumprindo o dever de expandir o alcance dos braços reais sobre outras terras. Assim, questões de ordem econômica e tecnicista, como a necessidade de ensinar as crianças a ler para que pudessem seguir instruções e se transformassem nas peças reificadas que apertariam os parafusos da grande máquina, transformavam-se em "genuínas" preocupações filantrópicas de igrejas, sociedades de senhoras, sanitaristas e higienistas, editores de revistas para o público infantil e juvenil e, na esteira do movimento, representantes que defendiam no Parlamento o novo status da criança e da infância como um modo moral de reconhecer a sua importância para a formação da sociedade britânica. Do mesmo modo,a mulher passava a ser o sustentáculo do núcleo familiar, responsável por garantir que a família não se desestruturasse com a falta do marido e dos jovens em casa, e preparasse a nova geração para um grau elevado de organização social.

Muitos outros eventos de expansão, consolidação de governo, regime político e social ocorreram durante esse período e em decorrência dele, mas o resumo que mencionei já basta para que o leitor entenda muito bem que as obras de Carroll estão longe de ser puro nonsense. À parte todo o moralismo e os questionamentos de por quê uma menina de 7 anos consumiria alucinógenos como líquidos suspeitos, chás e o próprio cogumelo em pedaços, e por que ficaria sozinha num lugar estranho e com um homem, como é o caso do Chapeleiro ou de Humpty Dumpty, ou ainda do cavaleiro (Carroll também foi conhecido por se interessar pela fotografia e pelo desenho do corpo da criança, em particular de meninas), as personagens trazem questionamentos muito mais interessantes ao leitor, como o de lógica, com raciocínios que desafiam a menina a diferenciar sofismas de lógica válida. Assim ocorre no episódio em que ela conversa com a lebre, o rato e o chapeleiro. Ou, ainda, quando uma ovelha negra na cor (e na intenção de subverter seu valor consagradamente negativo) lhe põe à mostra o argumento óbvio de que nem sempre se há de pedir permissão por puro código social, pois quando se detém o poder de fato sobre alguma ação, basta-lhe valorizar-se, assumir o papel que este poder lhe confere, inverter a mão desse código social e realizar a ação sem pedir permissão. Isso é o que o leitor encontra quando a ovelha lhe dá a resposta ao pedido de parar o barco em que estavam: "Como posso parar o barco se é você que está remando? Se você pára de remar, o barco pára também", ao que o narrador completa "Vendo que era assim mesmo, Alice parou de remar e o barco seguiu a correnteza [...]" (CARROLL, 1871; 1972: 131). Ou, por outro lado, em se pensando no contexto político e econômico da época, poderia ser justamente a ironia da situação, isto é, não é só porque alguém detém o poder que necessita usá-lo.

No entanto, nem sempre tão enigmáticos são os questionamentos a que o narrador dá voz através das personagens. Com relação ao sistema judiciário, pensa Alice durante um inquérito para apurar quem havia comido os bolos da Rainha de Copas: "'Estou satisfeita de ver como é que se faz no júri', pensou consigo. 'Nos jornais muitas vezes li nas notícias dos julgamentos: 'Houve por parte da assistência uma tentativa de aplauso, que foi abafada pelos oficiais de justiça.' Mas só agora aprendi como é que os oficiais de justiça abafam os aplausos dos jurados'" (CARROLL, 1871; 1972: 81). A menina Alice referia-se a porquinhos-da-Índia que por aplaudirem a acusação eram metidos em sacos pelos meirinhos, que se lhes sentavam em cima para impedir barulho e fuga, enquanto o rei e a rainha realizavam desmandos e executavam ordens disparatadas.

Se não são obras fáceis de serem seguidas, Alice no País das Maravilhas e Alice no País do Espelho valem a sua leitura pela fantasia de se deixar levar pelo caos, pela atração que suas charadas ainda exercem sobre nós e por toda a infinidade de provocações que este labirinto literário mantém vivas e atraentes para nós, leitores do século XXI.




Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lewis_Carroll

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Volume 5 - Dom Quixote - Miguel de Cervantes



A obra cervantina que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil apresenta em seu quinto volume é reconhecida na tradição literária ocidental como o maior romance de todos os tempos -- ou assim a consideraram em 2002, quando uma votação foi feita pelos maiores escritores contemporâneos nossos.
Dom Quixote é o nome resumido da obra que no início do século XVII foi publicada em dois volumes, sob o título O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha, e narra as aventuras e desventuras de um bondoso espanhol que já aos cinquenta anos, com a cabeça fervilhando de histórias, aventuras, feiticeiros, dragões, donzelas, castelos e cavaleiros à la Amadis de Gaula, autonomeia-se cavaleiro, encontra na figura da camponesa Aldonça Lourenço a "formosa donzela" Dulcinéia de Toboso, razão de seu viver, e parte em busca da própria sorte. Para isso, toma de seu celeiro o raquítico e velho cavalo, ao qual nomeia Rocinante, e convence um vizinho mais realista, de nome Sancho Pança, a ser seu escudeiro.
O que se segue, nesta obra adaptada pelo imortal da literatura brasileira Orígines Lessa, é uma série de desastres e de disparates cometidos por Dom Quixote, que toma por gigantes os moinhos de vento, e toma hospedarias de beira de estrada por castelos, lavadeiras por damas, e chega até mesmo a libertar condenados de el-rei e a "enfrentar" um leão. Nesse clima de comédia do riso e do grotesco, figuram principalmente a nobreza e a pureza de coração do protagonista e a picardia de Sancho, que, adotando um ponto de vista mais realista, provê condições de sobrevivência a ambos porque não só é necessário que o faça, mas lhe garante que o amo fique vivo para que tenha chance de lhe entregar a tão prometida ilha, em que seria governador.
Na verdade, há muito mais em Dom Quixote do que a simples comédia e o grotesco. De início, Cervantes de fato quis destacar as novelas de cavalaria, que então já estavam em declínio, e ridicularizar a fé, a política, o ideal e o nobre em prol da liberdade do indivíduo. Assim acontece no primeiro volume. No entanto, a segunda parte da narrativa exalta a figura do herói, a verdade, a nobreza, a ingenuidade, a bondade versus as coisas ruins que lhe sucedem, como por exemplo todas as situações ridículas a que ele e Pança são submetidos pelos nobres para que façam papel de palhaços (ou, numa interpretação mais próxima da época em que o livro foi publicado, como bobos da côrte), ao mesmo tempo em que seus feitos alcançam fama nacional a ponto de render, dentro da própria narrativa, um livro em sua homenagem, destacando -- e ridicularizando -- suas ações e a de seu fiel escudeiro. O equilíbrio barroco dos lados opostos também está presente nas ilustrações de Walter Hune (um dos grandes ilustradores da Editora Abril à época do lançamento desta coleção), que balanceia na ponta de seu carvão os traços das personagens e as sombras das cenas retratadas.
Nesta narrativa recontada por Lessa, muito das descrições foi resumido e as ações ocorrem muito próximas umas das outras, e embora isso descaracterize, de certo modo, a obra original, não evita que o leitor perceba a diferença que comentei há pouco sobre como Quixote é tratado em ambos os volumes publicados respectivamente em 1604 e 1615 -- mesmo que este volume não traga a divisão entre Tomo I e Tomo II --, e certamente ganha no efeito de riso porque as aventuras se sucedem rapidamente e o acúmulo de situações ridículas seja mais intenso. Ao mesmo tempo, não impede que o leitor se apiede da figura de Quixote e até mesmo de Pança, por todas as surras que tomam e toda a ingenuidade que, apesar de tudo, ambos cultivam.
Ainda que não seja do meu feitio revelar finais de histórias, esta já é uma por demais conhecida e representada pelas outras artes para que eu me furte de comentar um ponto interessante relacionado ao final do livro. Bastante realista é o desfecho desta narrativa, em que o cavaleiro, já velho, cansado, sofrido e doente, volta a si e reconhece ser Alonso Quixano, o Bom, como era conhecido por seus vizinhos. Ao mesmo tempo, rejeita as novelas de cavalaria, revela-se um crente chamado por Deus e, por isso, trata de se despedir de seus queridos e de compor seu testamento, no qual se lembra de sua ama, de sua sobrinha e de Sancho Pança, e finalmente morre.
Mesmo que em toda a narrativa o leitor tenha convivido com toda situação de ridículo e de grotesco, em nenhum momento Cervantes deixou de destacar ou de exaltar o cristianismo -- no início, para ridicularizar as batalhas cristãs em nome da política, já que eram em nome de um rei, e finalmente para caracterizar a personagem como o aldeão "remediado", dono de terra e crente na fé católica que regia (e rege) a Espanha. Cervantes revela um Quixote que morre em paz com Deus e com os seus, mas que até hoje, após tantas discussões sobre o valor literário da obra, em tantos contextos diferentes, continua a cavalgar, digno, bom e corajoso, na imaginação e nos corações daqueles que sabem que um cavaleiro jamais morre, mas se eterniza em seus atos heróicos.

Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_de_Cervantes

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Volume 4 - Os três mosqueteiros - Alexandre Dumas

Se há algo curioso num romance histórico, é que muitas vezes as personagens fictícias ali apresentadas não são necessariamente obra de adaptação do autor que com ela trabalha para criar seu texto.

Assim é com a personagem D'Artagnan, que a maioria das pessoas conhece através deste valoroso trabalho de Alexandre Dumas, pai (anteriormente apresentado neste blog). O nome verdadeiro do homem era Charles Batz-Castelmore, conde de Artagnan, que nasceu em 1611 e foi militar e serviu não ao rei Luís XIII, mas a seu filho -- o famoso Luís XIV, que quadrupicou o comércio exterior da França e ostentou riqueza e luxo na corte.

D'Artagnan morreu em 1673, mas viveu através das penas dos autores. Primeiramente, foi ficcionalizado por Gatien de Courtilz de Sandras, novelista, jornalista, panfletário e memorialista, que registrou os feitos do herói em seu Memórias do Sr. D'Artagnan, publicado em 1700. Em seguida, apareceu na trilogia dos três mosqueteiros, cujos títulos são Os Três Mosqueteiros, Vinte Anos Depois e O Conde de Bragelonne, todos criados pela arte e pela vivência política do escritor Dumas, pai. Foi pelas mãos de Dumas, pai, que D'Artagnan se juntou aos amigos Athos, Porthos e Aramis para lutar "pelo Rei e pela França", segundo afirmavam, e vivenciaram aventuras repletas das intrigas políticas criadas pelo Cardeal Richelieu, amigo do Rei e Primeiro-Ministro do Reino da França e de Navarra.

Também adaptado por Miécio Táti, este romance -- o quarto volume da coleção
Clássicos da Literatura Juvenil -- já tem início no rompante intempestivo do jovem gascão que sai de casa em busca de fama, dinheiro e aventura, e topa com um servidor de Richelieu, que lhe rouba a carta de recomendação ao capitão dos mosqueteiros. A trama segue e D'Artagnan, ágil, forte, jovem e impulsivo, consegue a proeza de, separadamente e na mesma manhã, ofender e desafiar para o duelo cada um dos três mosqueteiros, mas tais desafios são esquecidos quando ele lhes dá prova de dignidade, confiança e compaixão, o que faz com que eles se tornem grandes e inseparáveis amigos.

Dessa forma, D'Artagnan vem a conhecer cada um de seus amigos e suas particularidades: Athos, mais velho, calmo e por vezes soturno; Porthos, o bonachão impulsivo e despreocupado, muito afeito a apostas; e Aramis, cavalheiro galante, educado e com inclinação eclesiástica para se tornar padre. Na companhia dos três, o jovem gascão, guarda real da companhia Des Essarts (e não um mosqueteiro) descobre que o Cardeal Richelieu não mede esforços para desacreditar a Rainha Ana d'Áustria perante seu marido, o Rei Luis XIII, pois secretamente amara-a e fora recusado por ela. Para isso, contava com a ajuda da vilã Lady Clark para desmascarar o suposto romance secreto entre Ana d'Áustria e o Duque de Buckingham, além de personagens menores como o senhorio de D'Artagnan, o Sr. Bonacieux, e o seu braço direito de armações e trapaças, o agente Rochefort. Ao lado do quarteto heróico encontram-se o sr. de Tréville, capitão dos mosqueteiros e amigo de infância do pai de D'Artagnan; Constance Bonacieux, esposa do senhorio do jovem herói e ama da rainha, por quem D'Artagnan se apaixona; e os lacaios de cada um dos amigos: Planchet (para D'Artagnan); Grimaud (para Athos); Mousqueton (para Porthos); e Bazin (para Aramis). Muitas dessas personagens são históricas e de fato reinaram e/ ou trabalharam para o governo, e os próprios mosqueteiros foram também pessoas reais ficcionalizadas pela pena de Dumas, pai.

Neste romance histórico, em que subexistem algumas tramas secundárias bem interessantes, não faltam os elementos emocionantes que tornam a história de cavalaria atrativa ao leitor de hoje: muita aventura, muita intriga, muita política e muitos atos heróicos. Nesta gostosa narrativa, há diálogos que transparecem o espírito de outrora, quando era lícito duelar e morrer por aquilo em que se acreditava ou se obedecia. Lemos, por exemplo, Porthos perguntando aos amigos: "-- E é justo arriscar a vida ignorando a causa por que iremos bater-nos?", ao que D'Artagnan responde: "-- Em questões dessa natureza, o rei não dá razões. Limita-se a anunciar: 'Combate-se na Gasconha! Ide lá!" Não fazemos perguntas. Simplesmente vamos", e Athos atalha: "-- D'Artagnan tem razão. [...] Estamos munidos das licenças enviadas por Tréville, e de trezentas pistolas [dinheiro, e não armas], caídas do céu. Tratemos, pois, de morrer onde nos mandarem" (DUMAS, 1844; 1972: 105). Para acompanhar o espírito de aventura e incrementar a diversão, há as ilustrações de Getúlio Delphin, muito no estilo dos quadrinhos americanos dos anos 1960, com riscos mais firmes e sombras pintadas com o pincel, e não riscadas a pena ou a carvão.

Certamente, não encontramos aqui a atmosfera pesada de vingança de O Conde de Monte Cristo, mas uma crítica aqui, uma ironia ali, uma acusação acolá, como esta que acabamos de ler: não se podia questionar; aos que estavam sob o domínio do Ancien Régime, era-lhes dado apenas obedecer, ainda que lhes custasse a própria vida. Mesmo assim, toda a trama política -- que, no fundo, põe à mostra governos e povos inteiros tendo seus destinos definidos por causa do amor e da atenção de uma única mulher -- não impediu que, através dos séculos, gerações de leitores tenham aprendido e se deleitado com a história ficcionalizada por Dumas, pai, e tampouco que a indústria cultural tenha ajudado a perpetuar a figura lendária dos mosqueteiros heróis, fosse através de filmes hollywoodianos, revistinhas, ou desenhos (há uma versão adorável de personagens caninas produzida pela Espanha e pelo Japão em 1980, intitulada "Dartacan y los trés mosqueperros" -- ao pé da letra "Dartacão e os três mosquecães") e todo tipo de material com que sim, muito se pôde lucrar , mas também nos permitiu aprender a amar a arte de Dumas e, mais ainda, a arte de saber crescer lendo.


Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Dumas,_pai

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Volume 3 - Aventuras de Tom Sawyer - Mark Twain

Mark Twain (pseudônimo de Samuel Langhorne Clemens) foi um homem à frente de seu tempo e esteve em contato com toda a gente -- desde os negros do sul dos Estados Unidos até editores, jornalistas, empresários e cientistas. Nascido em 1835 e morto em 1910, o aventureiro norte-americano viajou pelos Estados Unidos e pela Europa, e suas andanças resultaram não só nos relatos humorísticos, pitorescos e muito sagazes acerca das diferenças culturais entre os lugares por ele visitados, mas também no amadurecimento do escritor, que era nacionalista de um modo revolucionário, porque era contra o falso moralismo pregado pela religião, contra a política opressora e contra a discriminação.
Do processo de amadurecimento do homem que já foi jornaleiro, jornalista, funcionário fluviário no rio Mississipi e escritor de viagens nasceu a obra Aventuras de Tom Sawyer, publicada originalmente em 1876. Terceiro volume da coleção Clássicos da Literatura Juvenil, o livro foi ilustrado por Alberto Naddeo e traduzido nada mais, nada menos do que por Monteiro Lobato, considerado nosso maior escritor de livros infanto-juvenis (tendo sido ele também um homem à frente de seu tempo e até mesmo um visionário).
A narrativa desta ficção é apresentada por um narrador onisciente seletivo e muito íntimo de um estilo coloquial. Ele está preocupado não só em narrar detalhadamente a evolução dos pensamentos do garoto travesso e muito inteligente que é Tom, desde o momento em que começa a imaginar coisas até que as transforma em peripécias, mas em trazer aos olhos do leitor a interação entre o mundo do menino e daqueles que o cercam -- seus familiares, seus melhores amigos, seu afeto (ou desafeto; isso depende do momento em que ele se encontra), e as pessoas da cidadezinha do sul onde vive. Ali, Tom Sawyer, o garoto órfão criado pela tia Polly, conhece Huckleberry Finn, o garoto contra todas as regras sociais vigentes, e com ele e seu outro amigo Joe Harper arma as maiores aventuras, tais como ser um pirata e "fugir" para uma ilha durante dias e dias (para o desespero das famílias, que chegam a dá-los como mortos) e passa pelos piores apuros, como testemunhar assassinato e roubo.
De uma forma bastante fluida, o narrador dá conta de escrever especialmente para crianças, e não o faz porque diz que a história é dedicada às crianças, mas porque ele afirma ser sobre crianças e, sobretudo, porque ele consegue, de modo intenso, "entrar" na mente delas, trazendo para os leitores a inocência, as superstições (herança do contato com a comunidade negra), a falta de responsabilidade, a ausência do senso de perigo real, a alegria, e a tendência ao drama que muitas delas possuem -- neste caso, especialmente o protagonista. Para fazer isso, o escritor mistura diálogos com descrições de lugares e de coisas com relatos de aventuras e de ações das personagens, e o resultado é uma mistura rica que traz com humor, junto a esse universo infantil, uma forte crítica ao moralismo e à forma opressora pela qual, segundo o autor, o país era governado na época em que a história é situada (anos 30 e 40 do século XIX). Vale a pena citar um trecho para destacar este aspecto da obra:

"Em seguida vestiram-se, ocultaram os apetrechos bélicos e puseram-se a andar, lamentando que nos tempos de hoje não houvesse mais bandoleiros, e querendo saber que é que a civilização dera ao mundo em troca. Tom e Joe preferiam ser bandoleiros por um ano na floresta de Sherwood a serem presidentes dos Estados Unidos pela vida inteira" (TWAIN, 1876; 1971: 76-7).

Este pensamento de Sawyer dá-se após uma sessão de brincadeiras em que ele e Joe fingem ser Robin Hood, e o fato de ser Robin Hood a personagem escolhida nessa passagem não se dá ao acaso, pois Robin Hood agia principalmente contra o governo de John II e lutava contra a exploração e os desmandos dele sobre a população oprimida dos feudos ingleses. Dito de outro modo, é tal como o escritor deixa o leitor interpretar: ele prefere menos burocracia, menos hipocrisia, menos morosidade, menos miséria, trazidas pela "civilização" e pela organização social e política, e mais liberdade, mais colaboração, mais igualdade e mais felicidade, num espírito herdeiro dos ideais revolucionários franceses.
Não vou, é claro, entrar no mérito da história da literatura estadunidense, mas seguramente faço coro com grandes escritores, como William Faulkner e Ernest Hemingway, ao afirmar que Twain é um mestre a ser reconhecido e reverenciado como um autor cujo trabalho o firmou como um dos maiores de seu país.

Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_Twain