Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Volume 11 - Ben-Hur - Lewis Wallace



Eu sou uma dessas pessoas que assistem aos clássicos hollywoodianos de quando em quando, e raramente vejo "novos" -- novos para mim, é claro, pois dedico-me a assistir a reprises de alguns dos meus favoritos. Assim, há não muito tempo, vi meu pai assistindo ao Ben-Hur e parei para assistir com ele. O filme foi ganhador de 11 estatuetas do Oscar e ganhou também o BAFTA, numa época em que tais premiações não eram exclusivamente manobras políticas ou premiações concedidas de acordo com a bilheteria arrecadada. Mesmo assim, nunca parei para pensar que houvesse um livro que dera origem à história. Na minha imaginação, diante do enredo, supus na minha ignorância que fosse bíblico, histórico.

No processo de leitura das obras publicadas na coleção Clássicos da Literatura Juvenil, encontrei a história recontada por ninguém menos do que Carlos Heitor Cony, escritor famoso pelos casos de mistério e de cenários urbanos em seus livros. Assim, mergulhei na leitura da obra, ainda acreditando que o autor, o americano Lewis Wallace (1847-1905) tivesse criado a história a partir de relatos bíblicos de um homem de nome Judá Ben-Hur.

No processo da leitura, fui-me certificando de que o enredo era muito "parecido" com o do filme para ser uma mera coincidência. Vejam, refiro-me à filmagem de 1959, com o ator Charlton Heston interpretando o papel do herói. Então, resolvi fazer a pesquisa biográfica de Wallace e sobre o livro antes de terminar a leitura (normalmente faço-a depois da leitura, por querer ler sem muitas informações que a "direcionem") e descobri não só que este é o livro que deu origem ao roteiro do filme mencionado, como também que a personagem nada mais é do que fruto da imaginação e das experiências do autor, ele mesmo herói da guerra de anexação do estado do Texas e da Guerra da Secessão (lutou pela União), político e diplomata, além de escritor.

A nova informação não mudou minha opinião de que o enredo é bastante interessante, mas enriqueceu-o sob meu ponto de vista, porque uma coisa é ter o dom de transformar fatos históricos em literatura, e outra é fazer a literatura, criando-a com base em fatos históricos, sem transformá-los fielmente. Ambos são processos dignos, porém diferentes em sua concepção. A personagem Ben-Hur é da segunda natureza, e a intensidade dos sentimentos fazem dele o sumo do mel da fé judaica no messias -- e, depois, no próprio cristianismo -- e no fel do desejo de vingança contra os romanos que o prenderam, enterraram vivas a mãe e a irmã numa cela de prisão para condenados políticos, e tomaram seus bens.

Aos leitores que não conhecem a história, trata-se da trajetória do príncipe judeu Judá Ben-Hur, da casa de Hur, desde o momento de sua queda, arquitetada pelo romano Messala, antigo companheiro de adolescência e agora inimigo mortal, separado por questões de fé e sobretudo de política, até o momento em que se vê vingado, testemunha sua fé em Cristo, e estabelece sua família novamente. Nesse caminho, o herói é ajudado por judeus que vão de seu escravo até o próprio Jesus de Nazaré, além de um xeque árabe e outros que vêm pelo caminho. Inimigos são os romanos, que fundam sua crença politeísta em deuses, comemoram o dia e a primazia sobre outros humanos, e encontram-se em posição de escravizar povos e demandar-lhes impostos.

A narrativa recontada por Cony tem início no dia em que os reis magos encontram-se no meio do deserto, guiados separadamente pela estrela para que ali se juntassem e procurassem pelo recém-nascido messias. Daí, pula para a cena em que Judá desentende-se com um Messala recém-chegado de Roma a Jerusalém, passa para a cena em que a mãe de Ben-Hur lhe dá uma lição sobre a herança genealógica dos judeus e a superioridade judaica sobre a romana, e em seguida passa para a cena em que Judá, ainda jovem, deixa cair de sua varanda um pedaço de telha sobre o cortejo do novo procurador romano, Valerius Gratus, e Messala faz disso um acontecimento político não só para calar a ira imanente de cada judeu explorado que pensasse em ousar levantar-se contra o poderio romano, mas como forma de se vingar do rancor e da mágoa expressas por seu ex-amigo. Esse processo toma as 63 primeiras páginas de um livro com 223 páginas, dividido internamente em VIII LIVROS. Esta parte estabelece o cenário e a atmosfera do que o autor nos conta a seguir, e aqui toma os três primeiros livros.

O que me chamou a atenção, nessa adaptação bastante interessante, é um certo descompasso cronológico: em um dado momento, Ben-Hur tem 17 anos e, logo em seguida, na abertura da parte seguinte, ele tem 24 anos, quando o narrador especifica que três anos se passaram desde que fôra preso e condenado ao remo das galés. A explicação que suponho ser a mais acertada é a de que longa parte desta narrativa de 620 páginas originais, foi suprimida, e que por uma impossibilidade de adaptação cronológica, Cony tenha de ter deixado esta diferença passar. Mesmo assim, isso não desmerece o trabalho de recontagem de adaptação deste clássico publicado originalmente em 1880, e tampouco foge à regra do que vinha se estabelecendo na publicação desta coleção, ou seja, de uma proposta de aventuras intensas e que traduzissem o espírito universal do homem em busca de conquista, de riquezas, de poder e de honra, estando estes objetivos ora juntos, ora separados, dependendo de quem seja a personagem em pauta.

Não posso me furtar a um comentário típico de quem estudou e ainda estuda questões de cultura e sociedade, e que me chama a atenção neste livro. Por um lado -- o lado de quem escreve o livro, e que viveu como um herói de guerra e um político de sucesso --, toda a história do povo judeu e de sua importância apelam para a união e para uma identidade nacional que transparecem no herói. Desse modo, Ben-Hur é transposição do herói americano ao ideal de união e de identidade religiosa, ainda que não sejam os Estados Unidos uma nação judaica (comunidades judaicas e empresários da mídia e da comunicação à parte, é claro). Por outro lado, não posso evitar a interpretação que me parece a mais óbvia e irônica: o autor execra os romanos e sua sede pelo poder -- e, provavelmente, pensando ele mesmo nas experiências de sua nação com o poderio inglês --, mas esta foi a posição que os próprios americanos tomaram diante dos processos de anexação de territórios e, mais tarde, já firmados pelo imperialismo, demonstraram diante do restante do mundo (vide a lei Marshall de reconstrução da Europa e a influência, direta ou velada, nos processos de ditadura dos vários países da América Latina e da África).

No fim, independentemente de ser ou não imperialista e tão romano quanto Roma o país de onde se originou esta história e que ofereceu o contexto de vida e de pesquisa de Wallace (famoso também por relatos históricos de políticos e por um outro romance, O Príncipe Indiano), permanece intacto o ciclo de publicações ininterruptas do romance no país e através do mundo, bem como sua fama -- para a qual a série de efeitos, o pesado investimento financeiro no cenário e o ator Charlton Heston, que também fez Moisés em Os Dez Mandamentos, contribuíram de forma substancial. Mais do que isso, a obra serviu para que o próprio Wallace, até então um ateu convicto, descobrisse seu caminho de fé através de suas pesquisas para a elaboração da narrativa -- de onde vêm, então, o pesado sentimento de arrependimento e de culpa de uma das personagens, que se joga no rio para pagar pelos seus pecados e dar cabo ao seu sofrimento. É por isso que a personagem, em lugar de vingança e de rancor, acaba por se tornar um líder pacífico, amoroso, e que a todos perdoa e procura ajudar.

Fonte de informações sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lew_Wallace (mas, se você ler em inglês, vale a pena pesquisar nesta base o perfil em inglês).

segunda-feira, 22 de março de 2010

Volume 10 - Odisseia - Homero


A tarefa de resenhar uma obra tão antiga e tão universal quanto Odisseia é desafiadora. Afinal, quando já se falou tudo sobre ela, o que mais se pode dizer?

Todos sabem – porque leram, viram ou ouviram em algum lugar – que Homero é o autor da obra conhecida mais antiga da literatura ocidental, e que Ilíada e Odisseia são consideradas as obras que inauguram a nossa tradição literária, ainda que tenham originalmente sido cantadas por esse que era, segundo dizem os relatos, um homem velho, cego e mendigo, e que cantava as glórias do povo grego em troca de sua sobrevivência. Se existiu e se os poemas épicos que narram a guerra de Troia e o fatídico retorno de Ulisses à sua amada ilha Ítaca são deles, é uma questão eternamente discutida entre estudiosos.

Interessa-nos, porém, tratar desta narrativa que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil apresenta ao leitor em seu décimo volume. Aqui, os 12.110 versos do poema homérico foram transformados em uma narrativa que vai além do palatável ao gosto juvenil: ela encanta e prende o leitor magicamente, como um feitiço dos deuses, de tal forma que a leitura se torna uma experiência de quase-conto. Explicamos: uma vez, Edgar Allan Poe disse que um conto deve ter um tamanho ideal tal que o leitor o leia numa só sentada.

O inglês Alfred J. Church, que viveu entre os séculos XIX e XX, fez exatamente isso com a obra de Homero: criou uma narrativa bastante fiel ao poema, mas em forma de texto corrido, e de tal modo elaborou a soma de acontecimentos, que a história das dificuldades vencidas pela esperteza de Ulisses (ou Odisseu, como é conhecido em outras traduções) e pela ajuda da deusa Atena é lida quase de uma só sentada.
Nota curiosa, nesta história, é que esta adaptação foi feita em 1879, e a tradução foi publicada pela abril somente no mês de abril de 1972, sem que se perdesse, nesse processo, o viço desse trabalho. Obviamente, todo o mérito deve ser dado a Marques Rebelo, grande escritor brasileiro que participou da Semana de 22 e foi membro da Academia Brasileira de Letras, além de ter ganhado o Prêmio Jabuti de Literatura. O escritor carioca certamente cuidou para que houvesse mais do que uma tradução, e tratou então de “aclimatar” o texto inglês para o nosso público.

Desta forma, Odisseia apresenta a história do guerreiro Ulisses, rei da ilha de Ítaca que vai lutar na Guerra de Troia, em favor dos gregos, e realiza a jornada de retorno à sua casa, onde a esposa Penélope o aguarda junto de seu filho Telêmaco. Quando a história tem início, já se passaram 10 anos desde a saída de Ulisses de sua casa, e são necessários mais 10 anos para que finalmente chegue em casa. Nessa longa viagem, ele se vê vítima do ciclope Polifemo, de Poseidon, de Circe, e passa por outras adversidades, como a estadia na ilha dos ventos, perdendo os companheiros e tornando-se, assim, o único sobrevivente de todos os que haviam iniciado a jornada com ele. Enquanto esse tempo passa, Penélope enfrenta com resignação o abuso e a dilapidação de seus bens por aqueles nobres de Ítaca e da região que desejam casar-se com ela. Sem força para lutar e desejando que não matem seu filho Telêmaco, ela usa de astúcia para adiar indefinidamente sua decisão por qualquer um dos homens que ali se instalam, até que finalmente seu marido retorna, disfarçado de mendigo, e junto dos escravos Laerte e Ericleia, e de seu filho, arma um plano e vinga-se de todos os arruaceiros, tirando-lhes a vida e retornando ao trono que é seu por direito. É somente no final que Ulisses revela-se à esposa e retoma a sua forma física, disfarçada pela magia de Atena. É, aliás, pelas mãos dos deuses que a trama épica, carregada de drama, é amarrada, e é por eles que entendemos o sentido do "fatalismo grego", segundo o qual o destino será sempre o mesmo, não importa o caminho que tomemos, porque assim foi decidido pelos deuses.

O resultado desse esforço é uma transformação do formato da obra, e os puristas podem com toda certeza aprender, a partir de um trabalho desses, que uma obra adaptada não necessariamente perde seu teor literário. Antes, ganha em energia e recupera, em um grau considerável, a alma da narrativa épica, pois quando lemos temos a nítida impressão de estarmos diante de um contador de histórias que conta acerca de deuses, feiticeiras, escravos, e tantas outras façanhas que Ulisess realiza nesta história ainda moderna, ainda sobre a guerra e sobre um homem que quer voltar à casa, onde sua esposa Penélope fielmente o aguarda, ainda que cercada de mais de 100 pretendentes à sua mão.

Nesta obra adaptada, traduzida e novamente adaptada, há episódios que ficam de fora. É, por exemplo, o caso da passagem de Ulisses pela ilha dos comedores de lótus, e também o caso do terceiro canto, que narra a passagem do herói pelas sendas dos mortos, onde reencontra sua mãe e os soldados que pereceram na guerra de Troia. Novamente, parece-nos que alusões mais diretas a elementos que canonicamente não integram o universo infantil e juvenil, como as drogas e a morte, são deixados de fora da narrativa, o que demonstra um cuidado e um controle bastante firme no conteúdo da coleção publicada pela editora. Não nos esqueçamos, é claro, de que se tratava do início da década de 1970, num país governado por um grupo que a todo custo desejava manter a nação fora do espírito da década anterior, de libertação, ao mesmo tempo em que renovava suas estratégias de crescimento acelerado, contando com a educação e a formação de novos centros técnicos para cumprir tal tarefa.

No final, o que conta no décimo volume da coleção não é a fidelidade com que narra, mas se ele cumpre – e de até que ponto ele o faz – a tarefa de ser atual, de falar à alma do leitor que parte em busca não só do aprendizado sobre a literatura e a arte de ler, mas de uma das versões mais conhecidas da história das aventuras da humanidade, tão antiga e tão importante, retratada por um homem, e heróica porque atravessou quase 28 séculos para que possamos, hoje, compreender a sua importância e admirá-la pelo que ela nos conta sobre o coragem, inteligência, crença, e lealdade.
Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Homero

segunda-feira, 15 de março de 2010

Volume 9 - O Capitão Tormenta - Emílio Salgari

O livro O Capitão Tormenta é o nono volume da série de Clássicos da Literatura Juvenil publicada pela editora Abril.

Escrito pelo visionário Emílio Salgari, um italiano que viveu de 1862 a 1911, a obra narra as aventuras de um certo Capitão Tormenta em meio às Guerras no Chipre, entre cristãos e muçulmanos, pela posse da terra. Era então o ano de 1571, e a Itália era senão um sonho inexistente. Em seu lugar, havia feudos e pequenos países, como é o caso de Veneza, conhecida então como República Veneziana e que, naquela época, reinava sobre o Chipre até ser derrotada pelos turcos, árabes e outros orientais, e ver suas tropas dizimadas pelo inimigo.

A história, repleta de aventuras e de uma rica descrição das armas, das vestimentas e dos paramentos da cavalaria e dos soldados, talvez não fosse tão interessante se a escolha do autor tivesse sido mais tradicional e ele optasse por revelar somente no fim que o tal Tormenta era, na verdade, uma belíssima jovem duquesa com inesperada e incrível destreza com armas. No entanto, o autor era tudo, menos óbvio: conhecido como o equivalente a Júlio Verne na Itália, então recém-unificada, se pensarmos em uma linha histórica, Salgari apostou na irreverência e deixou que o narrador revelasse, desde os primeiros capítulos, que a jovem não só era bela e corajosa, mas nobre de tradição e no coração que jamais permitiu a morte de outrem, ainda que muçulmano.

É, pois, a piedade da heroína, fielmente seguida e protegida pelo escravo El-Kadur, que salva sua vida, capítulos adiante, quando ela se vê presa em Famagusta, território que tentara a todo custo proteger e que é dizimado pelos muçulmanos, e depois sob o comando de Haradja, a cruel turca que tinha sob sua chibata o controle de prisioneiros de guerra, dentre os quais estava o Conde de Hussière. Era, afinal, por Hussière que a duquesa Eleonora D’Eboli angariara sua fortuna e contratara um exército que a seguisse até o local em que o Conde estava cativo. O ato de misericórdia em poupar a vida do capitão Maley-el-Kadel, valoroso nobre turco, quando o desafiou para um duelo de espadas e cimitarras, valeu-lhe não só o reconhecimento e a admiração, mas o amor e a lealdade, pois el-Kadel torna-se seu protetor e salvador não só da dama, mas do grupo de cristãos, renegados ou não, que com ela se encontra.

A riqueza de detalhes na descrição dos caminhos e dos contextos, bem como da organização social e militar dos povos do oriente muçulmano são, na verdade, resultado de anos de trabalho e de viagem do autor como funcionário da Marinha italiana, mas a imaginação – muitas vezes, exagerada e fantasiosa – é totalmente creditada ao escritor.

Outro ponto positivo dado a esta obra é que, diferentemente das histórias escritas atualmente (e, muitas vezes filmadas ou transformadas em séries de televisão), O Capitão Tormenta não exagera no final feliz a que as pessoas estão comumente acostumadas. Isso porque não só o final não é o esperado por todos, mas também porque o escravo El-Kadur, que secretamente nutria uma paixão avassaladora pela duquesa, morre em defesa da vida de sua patroa, em vez de, por exemplo, apaixonar-se depois por uma filha dela ou por outra pessoa qualquer. Desta forma, há um elemento de tragédia dentro desta história romanesca que respeita o fluxo narrativo e não ofende a inteligência daquele leitor atento às relações estabelecidas no romance.

Como é de se esperar, há o grande vilão – aqui, um polaco mercenário chamado Laczinki, que renega o cristianismo quando se vê capturado pelos muçulmanos, e passa a comandar exércitos de mercenários do oriente – e os seus comparsas, e todos encontram seu justo fim, embora seja na avalanche de aventuras episódicas, no ritmo frenético da narrativa e na riqueza de lugares e de povos e de cores e línguas que esteja o valor da obra de um escritor que deixou um legado deveras significativo para a literatura universal, mas morreu antes de ver muitas das maravilhas imaginadas por Verne e por ele mesmo realizadas pela Humanidade. Do mesmo modo, é uma pena que, hoje, poucos saibam da existência das obras de Salgari e que não as leiam, pois elas ainda são capazes de ensinar muito a respeito de aventura, de honra, de amor e de amizade.

Página de informações sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Emilio_Salgari

segunda-feira, 8 de março de 2010

Volume 8 - David Copperfield - Charles Dickens

Quando li David Copperfield pela primeira vez, eu ainda não sabia por que motivo o sobrenome "Peggotty" às vezes era grafado como "Peggotties", e tinha uma ponta de dúvida sobre aqueles serem o mesmo sobrenome ou não. Eu não sabia, naquela época, sobre a formação do plural em inglês, e tampouco que esta regra se aplicava aos sobrenomes. Era então a época que ia do final do primário aos primeiros anos do ginásio (nomes que hoje já não são usados pelo sistema de ensino brasileiro), e eu somente começava a trilhar o caminho do estudo da língua e da cultura inglesa e norte-americana, que me trouxeram até aqui.

Do final dos anos 1980 para cá, já li o romance algumas vezes, das quais umas foram a partir do original em inglês ou traduzido, e outras através deste volume recontado por Oswaldo Waddington, que a coleção Clássicos da Literatura Juvenil publicou como oitavo volume da série, em março de 1972. Ainda que no processo de adaptação muitas de suas 721 páginas originais tenham sido sacrificadas em favor de uma narrativa um tanto quanto menos densa de 239 páginas, das quais 17 são belas ilustrações desenhadas a nanquim, o oitavo livro da coleção não deixa de ser rico e de mostrar o espírito crítico social do autor e seu estilo muito particular de misturar uma boa dose de simpatia a uma ironia muito bem colocada para criticar, aqui e ali, o sistema social, econômico e escolar, dentre outros aspectos da sociedade inglesa do século XIX.

Tendo nascido em 7 de fevereiro de 1812 e morrido em 9 de junho de 1870, Dickens, cujo nome completo era Charles John Hoffam Dickens, teve uma infância estável, uma adolescência conturbada e de dificuldade financeira, e uma vida adulta de constante ascensão, na qual passou de taquígrafo a autor de renome mundial. Dentre suas obras mais famosas, encontramos Os Cadernos Póstumos da Sociedade Pickwick, Oliver Twist, Vida e Aventura de Nicolas Nickleby, Grandes Esperanças, Assim São Dombey e Filho, e Tempos Difíceis e, embora seja muito atraente tratar das obras mais densas do ponto de vista histórico e social, e que refletem de forma bastante clara a sociedade inglesa vitoriana impulsionada pela invenção da máquina a vapor, concentro-me na discussão das obras que, se não eram voltadas diretamente ao público infantil e juvenil, tratava dele. Assim ocorre com principalmente com Oliver Twist e David Copperfield.

O romance que trata da vida da personagem homônima foi originalmente publicado em folhetins semanais. A estrutura episódica dessa narrativa, que prendia o leitor em busca da resolução de uma dificuldade apresentada no capítulo lido anteriormente, fazia com que o público permanecesse cativo de maio de 1849 a novembro de 1850, quando foi finalmente publicado sob o longo título inicial de A história pessoal, as aventuras, a experiência e a observação David Copperfield, o mais jovem de Blunderstone Rockery (e que ele jamais quis publicar), mais tarde simplificado para o nome da personagem. A narrativa tem início com o nascimento do bebê David, numa casa em que sua mãe, Clara Copperfield, vivia com a empregada, Clara Peggotty (chamada somente de Peggotty devido ao nome igual ao da mãe do menino) desde que seu marido havia morrido, 6 meses antes. A infância do garoto é relativamente estável, e somente aos 7 anos, após o segundo casamento de sua mãe, ele conhece a crueldade pelas mãos do padrasto, Edward Murstone, e da irmã dele, Jane Murstone. Aterrorizado pelo padrasto e por Jane, David não consegue aprender as lições que sua mãe, frágil e de personalidade submissa, tenta lhe ensinar, e acaba apanhando de Murdstone. Em seguida, é enviado ao Internato Salem House, onde não há limite para a crueldade do diretor, que espancava aos alunos pelo mero prazer de exercer sua tirania. Mesmo assim, encontra ali os amigos James Steerford e Tommy Traddles, com quem virá a ser encontrar novamente anos mais tarde. Passado um ano no internato, David é levado à casa para as férias e conhece seu irmão recém-nascido. O regime ditatorial da casa e a gravidez haviam tornado Clara ainda mais frágil e, em seu retorno a Salem House, David é informado de que tanto sua mãe quanto seu irmão haviam morrido. Por isso, Edward o tira do Internato e o coloca para trabalhar numa fábrica engarrafadora de vinhos em Londres, da qual era sócio. Ali, David conhece o bondoso Sr. Micawber, cuja natureza era expansiva e muito compreensiva das dificuldades pelas quais as pessoas passam, mas cujo controle financeiro era inexistente, motivo pelo qual era frequentemente preso por inadimplência com seus credores. Sem perspectiva de melhora e sem amigos, David viaja a pé (pois havia sido roubado) de Londres até Dover, em busca da única parente que poderia ajudá-lo: sua tia-avó Betsey Trotwood, uma figura excêntrica e muito autoritária, mas também muito bondosa, e que estivera presente na ocasião do nascimento do garoto, quando saiu da casa dos Copperfield insatisfeita porque não havia nascido a sua "sobrinha", conforme acreditava que aconteceria, mas o menino que agora se apresentava a ela em farrapos, com fome e muito cansado. A narrativa recontada economiza em todas as vezes que o Sr. Edward tenta reaver a guarda do menino, agora interessado em seus bens (porque Betsey Trotwood era dona de uma boa quantia de dinheiro e de bens e havia renomeado David, que então passou a se chamar David Trotwood Copperfield), e concentra-se nos anos de formação de David no externato, enquanto morava com o Sr. Wickfield, advogado, e sua madura e abnegada filha Agnes. É nesta época que David conhece o falso Uriah Heep, que faz uso de um discurso exagerado de humildade para esconder suas atividades ilícitas e o desvio de dinheiro e de bens de Wickfield para si, bem como para subverter a ordem da casa e passar, paulatinamente, a mandar e desmandar no sobrado daquele que passaria, por coação, a ser seu sócio.

As atividades de Heep passam incógnitas e distantes para David, que havia se mudado para Londres em seus anos de juventude e ali se estabelecido como aprendiz num cartório comercial. Nessa época, o rapaz reencontra Steerforth e Traddles, e descobre que o primeiro era um boa-vida, enquanto o segundo era muito trabalhador e tinha esperança de juntar bens para poder se casar. Novamente, a adaptação de Waddington Jr. economiza em tramas secundárias e deixa de lado o drama de Steerforth e da pequena Emily Peggotty, que David havia conhecido em sua meninice, quando viajou com a empregada para a casa de seus parentes, no litoral, na época em que a mãe se casara, e passa a narrar as aventuras de David e de seu ardente amor pela voluntariosa e linda Dora Spenlow, filha de seu chefe. Seu romance é fadado ao fracasso não somente porque Jane Murdstone, agora dama de companhia de Dora, intercepta as carta e depõe contra David para seu chefe, mas porque de uma hora para outra sua tia Betsey se vê na pobreza e vai a Londres, juntamente com para morar com ele. Nesse ínterim, David resgata não só a amizade dos colegas de internato, mas também de sua querida amiga Peggotty, que havia se casado com o cocheiro Barkins (que o levara de sua cidade ao internato e de volta), e dos parentes de Peggotty. Pobre, David emprega-se no Parlamento como taquígrafo e com seu antigo professor como assistente para escrever um dicionário. Em seguida, começa a escrever pequenas matérias e anedotas ao jornal. Pouco a pouco, passa a compor romances e outras obras, e torna-se autor famoso. A esta altura, encontra-se casado com Dora, recentemente órfã e a cargo das tias. O casamento revela-se uma felicidade e um incômodo, pois sua "mulher-criança" não queria senão saber de cantar, desenha, declamar poemas e brincar com seu cachorro, deixando a casa a cargo de empregados que lhes roubavam bens e revelaram sua vida na sociedade. Paralelamente, David toma ciência da degradação financeira e moral de Wickfield e tenta ajudar a Agnes, a quem considera como irmã, a retomar as rédeas da situação. O caos na casa se instala quando Uriah Heep revela-se apaixonado por Agnes e o pai da moça se revolta sem, no entanto, ter o poder de expulsar o homem de suas vidas. Nesta situação, o papel de Wilkins Micawber, agora empregado de Uriah Heep, é fundamental, porque é ele quem descobre todas as falcatruas do vigarista e o expõe, salvando não só os Wickfields, mas os próprios Copperfields da miséria, já que Betsey havia perdido grande parte de sua fortuna em investimentos da firma de Wickfield. A trama se desenvolve e David passa a se dedicar exclusivamente à literatura, enquanto em casa ele vive o drama de um aborto e da morte de sua jovem esposa, tão parecida com sua própria mãe. Em decorrência da tristeza e do degosto, o escritor viaja pela Europa, sem deixar de escrever seus livros, mas a tristeza não passa, e somente quando retorna e reencontra os amigos é que passa a se sentir melhor. Então, o maior dos segredos é revelado: Agnes, a amiga de todas as horas e consoladora de suas agruras, havia guardado seu amor por David, e somente por intervenção de Betsey o sentimento mútuo é revelado e eles então se casam, gerando três filhos -- dos quais uma é de fato e finalmente nomeada Betsey Trotwood.

Este grande resumo dá conta de narrar as ações do livro, mas não a riqueza da construção das personagens e da forma como o narrador explora a linguagem para ser ácido, ainda que bem humorado. Assim é quando descreve o início de suas aulas no internato e o discurso do diretor, o Sr. Creakle: "-- Meus jovens discípulos... [...] eis-nos iniciando um novo semestre. Muito cuidado! Espero que tenham voltado com ardor para as novas lições, porque voltei cheio de ardor para puni-los! E o meu ardor não esmorecerá! Agora, aos Estudos! // Depois de ouvirmos essa animadora preleção [...], fiquei imaginando que não haveria no mundo um homem que amasse tanto a sua profissão como o Sr. Creakle. Pois, nela, ele podia satisfazer plenamente o seu incontrolável desejo de bater, que só se saciava depois de ter espancado bastante sua vítima, geralmente recrutada entre os alunos menores" (DICKENS, 1850; 1972: 43). Não é preciso dizer que Copperfield era um dos menores, bem como seu amigo Thomas Traddles.

É preciso, contudo, dizer que David Copperfield é considerada uma obra altamente autobiográfica, pois ela se assemelha muito aos vários percalços pelos quais o autor passou. Quando seu pai -- fonte inspiradora para a construção do adorável Sr. Micawber -- foi preso por não ter saldado suas dívidas, David Copperfield foi trabalhar numa fábrica que fazia graxa para engraxar sapatos. seu trabalho consistia em etiquetar os vidros de graxa, e o de Copperfield, na engarrafadora de vinho, consistia em lavar as garrafas inteiras, enchê-las e etiquetá-las. Assim como a personagem, Dickens recebeu herança de família, mas não deixou de trabalhar, tendo sido, tal como David, empregado de cartório e taquígrafo, para então se tornar um autor de sucesso. Estes são somente os traços principais de semelhança desta personagem que o autor declarou ter sido a sua predileta.

Numa época em que grande parte da economia inglesa local era sustentada por mãos de pequenos trabalhadores explorados durante horas a fio, como vimos anteriormente na resenha do volume 6 da coleção, Charles Dickens retrata de forma bastante fiel a economia e a configuração social inglesa, sem jamais deixar de lado sua crítica. É assim que contrasta, por exemplo, a situação de trabalho no cartório, onde não se podia obter salários ou benefícios porque, conforme se usava à época, os sócios faziam um do outro o vilão incompreensivo e rígido que não permitia concessões ao funcionário, de forma que quando se falava com o sócio número um, ele dizia que era bondoso mas que não poderia fazer nada em prol do empregado porque o sócio número dois não permitia, e quando se falava com o sócio número dois, era o sócio número um o grande vilão da história. Ou, ainda é de forma bastante ácida que Dickens julga o sistema educacional e o compara ao sistema penitenciário, posto que o Sr. Creakle acaba se tornando um diretor de presídio quando Salem House é fechada. "Vigiar é punir" se tornou, no século seguinte, o mote para o grande estudo de Foucault a respeito do tema, e não duvido que o estudioso tenha visto aí exemplo do fracasso de tal empreitada. Além disso, Dickens era um excelente conhecedor das ruas londrinas e de sua rotina para deixar escapar à sua narrativa os detalhes que a fazem tão cheia, pobre, encarvoada e perigosa para os inocentes. Estes aspectos fazem com que ele seja considerado um realista, embora muitos críticos também considerem que a obra dickensiana seja melodramática e sentimentalista em demasia, e cujo desfecho é "feliz demais" para ser verídico. De fato, se pararmos para analisar o final, tudo acaba bem: os Micawbers e os Peggotties vão para a Austrália e lá se estabelecem com sucesso; David casa-se com Agner e tem filhos, Clara Peggotty Barkins, já viúva do cocheiro, torna-se uma pessoa financeiramente bem-sucedida mas vai morar com a tia de David, e Thomas Traddles casa-se com sua namorada. Somente a pequena Emily, enganada por Steerforth, cai em desgraça e se torna uma prostituta em Londres, mas é resgatada por seu tio, o Sr. Peggotty, e seu primo Hamm. Esta narrativa secundária é, porém, retirada do volume adaptado do Waddington Jr. -- talvez, não só pelo volume que toma no todo, mas pelo conteúdo mais forte para a faixa etária leitora da série.

Tal como ocorreu a vários outros clássicos, David Copperfield tornou-se objeto de adaptações cinematográficas desde a mais tenra idade do cinematógrafo: o primeiro filme sobre a narrativa foi produzido em 1911, dirigido por Theodore Marston, e neste ano deverá sair mais uma adaptação para a grande tela. Além disso, a obra foi também adaptada para teatro, para leitores mais jovens (como é o caso deste volume) e para desenho. Seja como for, ainda hoje continua viva e apela para não só para a realidade pungente de uma criança numa época tão datada quanto a Inglaterra vitoriana, mas aos nossos corações, eternecidos pela narrativa de uma personagem que viveu a penúria, mas não endureceu o seu próprio coração, e continua a nos ensinar lições como honestidade, perseverança, amor e lealdade.

Fonte de informações sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Dickens

segunda-feira, 1 de março de 2010

Volume 7 - O Último dos Moicanos - James Fenimore Cooper

Há muitas histórias que atravessaram os séculos e continuam famosas até hoje -- algumas mais, outras menos. A coleção Clássicos da Literatura Juvenil é exímia em trazer algumas dessas obras a público. Dessas histórias, porém, nem sempre sabemos o nome do autor imediatamente. Se falamos em A Volta ao Mundo em Oitenta Dias, logo dizemos "Júlio Verne!"; se Dom Quixote, respondemos imediatamente "Cervantes!". Mas eu gostaria de saber se, honestamente, o leitor saberia de pronto a resposta sobre quem escreveu O Último dos Moicanos.

James Fenimore Cooper não é, geralmente, um nome que hoje circula nas salas de aula, ou mesmo nos cursos de graduação de Letras, mas ele foi um dos responsáveis pela formação da tradição literária norte-americana. Nascido no ano em que teve início a Revolução Francesa, e tendo os Estados Unidos declarado sua independência há apenas 13 anos, ele foi um dos 7 irmãos de um total de 13 que sobreviveram ao casal abastado que fundou a cidade modestamente nomeada Cooperstown. Ele passou sua infância e adolescência numa casa de fazenda às margens de terras em que nativos norte-americanos viviam. Sendo assim, antes que chegasse a ir para a Universidade de Yale, em 1803, tinha formado sua história e seu caráter com base no contato com índios, na forte formação religiosa de seus pais, que eram quacres mas que frequentavam outras igrejas protestantes, e nos anos pós-Declaração de Independência.

Suas experiências foram além, e Cooper trabalhou na Marinha, viajou para a Europa e chegou até mesmo a morar lá por 17 anos, mas a formação e as memórias da terra natal não o abandonaram. Debaixo de críticas positivas e muitas negativas -- como foi o caso do autor Mark Twain, que o considerava um péssimo escritor --, Cooper publicou muitas histórias que tratam da formação da nação norte-americana dos brancos de origem britânica, em constante conflito com os nativos e os franceses. Os seus principais trabalhos estão na série de cinco livros conhecidas como The Leatherstocking Tales (As Histórias das Meias de Couro), das quais Os Pioneiros e a primeira e O Último dos Moicanos é a segunda e mais famosa delas.

O Último dos Moicanos foi publicado em 1826, e narra as aventuras e os conflitos de americanos com franceses e índios em um Estados Unidos de 1757. Tratava-se do que os historiadores chama de A Guerra dos Setes Anos, quando França e Grã-Bretanha batalham péla posse e pelo controle das colônias norte-americanas. No norte do país, um soldado é encarregado de transportar, em um território hostil, duas irmãs, filhas de um comandante, ao forte onde o pai se encontra, travando lutas contra os franceses para evitar que mais aquele local caísse no poder dos franceses. Para atravessar o território hostil, o soldado conta com a "orientação" do índio Magua (do original ma-gwah), da tribo dos ferozes huron (e dessa tribo se originou o nome tanto do lago quanto da cidade), mas logo encontra-se com o experiente batedor branco Olho-de-Águia, também conhecido pelos indígenas como Carabina Longa. Na companhia deste estavam Chingachgook, Grande e último Chefe dos moicanos, e Uncas, seu filho, jovem a quem o título do livro se refere. Diante do confronto com dois índios e um experiente viajante de terras nativas, o plano de Magua de orientar a caravana em direção ao inimigo é revelado e ele foge. Junta-se à comitiva de Duncan, das jovens irmãs Cora e Alice Munro, de Olho-de-Águia e dos dois moicanos o religioso David la Gamme, cantor de salmos e hinos que não tem experiência com armas ou combates, mas que ao longo da narrativa vai ganhando destaque e importância para o desfecho da história. Sucede-se uma série de aventuras, confrontos e perigos envolvendo o grupo, que frequentemente se vê vítima de emboscadas indígenas, por trás das quais sempre há a estratégia e a ação de Magua. Este, apaixonado pela filha mais velha do comandante Munro, faz de tudo pala aniquilar o grupo e ganhá-la como prêmio.

A atmosfera é ricamente apresentada pela descrição do ambiente selvagem, desde as florestas úmidas e lagos imensos até as tabas das tribos nas quais os integrantes da comitiva estiveram, e as personagens são destacadas pela sua grandeza, pela coragem, pela bondade e pela honra -- ou, no caso de Magua e de sua tribo, pela crueldade e pela ganância. Com moral cristã, a narrativa exalta a figura do desbravador norte-americano no melhor estilo romântico (embora a história da literatura dos Estados Unidos não seja divida como a nossa, ela guarda algumas características parecidas, pois baseia-se na tradição européia tanto quando a nossa) que, no Brasil, viemos a conhecer, guardadas as devidas proporções e contextos, nos romances indianistas de José de Alencar.O livro é recontado por Miécio Táti, que economiza, em sua adaptação, nas descrições, embora sejam sempre vívidas, e carrega nas ações. Como efeito, o leitor obtém uma narrativa mais condensada e, tal como propõe a série aqui discutida, mais fácil e mais rápida de ler. Táti preserva, porém, o sumo do clima, usando o vocabulário típico deste universo de desbravadores de terras, de exércitos e de índios, e "tomahawk" (machadinha dos índios), "escalpelamento" e "bastião" transmitem com eficiência as ações e as tradições ali vivenciadas pelas personagens.

Embora tenha legado, entre romances, contos, peças de teatro, biografias e narrativas históricas, mais de cinquenta trabalhos, os romances que compõem as histórias Leatherstocking (porque "meias de couro" é algo estranho à nossa cultura e que só conhecemos através de livros ou do cinema -- e, mesmo assim, geralmente se fala em "mocassins"), com destaque a este O Último dos Moicanos, são os mais famosos de James Fenimore Cooper, e ajudaram o autor a se estabelecer como o primeiro grande romancista norte-americano a ser conhecido internacionalmente. Fazem jus à fama as adaptações cinematográficas (cinco nos Estados Unidos, dos anos 1920 aos anos 1990), duas na Alemanha (nos anos 1920 e 1930), e uma britânica, em forma de minissérie, exibida nos anos 1970, além de peças de teatro e de óperas. Ajudou, também, a difundir a visão branca, protestante, americana e de origem anglossaxônica da formação dos Estados Unidos, mas também a romântica visão do desaparecimento dos moicanos -- ou, ainda, estabeleceu como moda cortes de cabelo, que deixaram de pertencer às "tribos" e passaram a ser usados por vários grupos, e que continuam modernos, ainda que preferível fosse herdarmos da cultura e da sabedoria indígena não o estilo, somente, mas o equilíbrio e o respeito à natureza, para que não sofrêssemos hoje as consequências da degradação que viemos causando há tanto tempo ao ambiente e a nós mesmos.

Fonte de informações sobre o autor:
http://www.acton.org/publications/randl/rl_liberal_por_482.php