Coleção Clássicos da Literatura Juvenil

Apresentação e resenha dos livros da coleção editada pela Abril Cultural entre 1971 e 1973.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Volume 48 - Oliver Twist - Charles Dickens

Dizem que a ocasião faz o ladrão. Em algumas vezes sim, em raras vezes não; é isso o que o narrador de Oliver Twist, o antepenúltimo volume da coleção Clássicos da Literatura Juvenil conta ao leitor.
Em meados do século XIX, numa cidade do interior inglês, um menino nasce em meio à miséria, de uma mãe que não se sabia quem era e que viria logo a falecer. Órfão e sem parentes conhecidos, o bebê é entregue aos cuidados da paróquia, que o coloca no orfanato, onde recebe o nome de Oliver Twist -- não por algum motivo especial, mas porque o bedel da casa havia chegado à letra T do seu "caderno de nomes" e, assim sendo, inventara-lhe o sobrenome Twist.

Oliver cresce em meio a um cotidiano de miséria e de violência contra crianças, comendo o suficiente para que não morra de fome de uma vez. Ali, faz amizade somente com um outro menino, tão vítima e franzino quanto ele. Por ser menor e por sorte do destino, um belo dia Oliver "sorteia" a ação de pedir mais comida no refeitório. A cena é, de fato, tristemente cômica: ele é levado aos mantenedores da casa que, fartando-se à mesa numa sala aquecida, vêem-se espantados com a ousadia do menor e, além de mandarem açoitá-lo para que aprenda a não ser "guloso" e inssurecto, ordenam que o Sr. Bumble, o bedel, ofereça-o como ajudante a qualquer um que apareça na porta da instituição, dando como recompensa ao "nobre cristão" que concordar em "educá-lo" a quantia de cinco libras.

De fato, Oliver quase cai nas garras de um limpador de chaminé, mas a benevolência do juiz, que na última hora repara na figurinha pequena, frágil, trêmula e à beira de um ataque de pânico, não permite que isso aconteça. O garoto então vai parar nas mãos do Sr. Sowerberry, um agente funerário compassivo, mas cuja esposa e empregados são impiedosos com o menino -- especialmente o adolescente Noah Claypole, que, vítima ele mesmo de violência, encontra em Oliver a chance de reproduzir a única coisa que aprendeu: a tirania.

Após muitos problemas na casa dos Sowerberry, Oliver resolve fugir e dirige-se a Londres a pé, passando, como espera o leitor, por muitas dificuldades para poder se aquecer e se alimentar. É nesta parte da narrativa que o autor inicia o questionamento de contaminação social, porque Oliver é "adotado" por um bando de ladrões juvenis, dos quais o velho judeu Fagin é o padrone.

Fagin é uma figura em que vale a pena deter a atenção: um sujeito idoso e malandro, aplicou muitos golpes durante sua vida criminosa e, mais do que isso, treinou gerações de pequenos bandidos para fazerem o mesmo para si e para ele. Porém, contrariando a expectativa do leitor, ele não é mau como, por exemplo, o padrone Garófolli, de Sem Família, com quem o velho Vitalis se recusa a deixar Renato. Fagin é bondoso na medida em que é possível sê-lo, dadas as condições em que vivem, naquela mansarda localizada no bairro pobre, onde dormem ele e tantos outros garotos. Os meninos devem arranjar comida, dinheiro, joias, carteiras, roupas, tudo o que puderem -- até mesmo lenços. Nesse sentido, o narrador realiza uma grande crítica, pois o leitor é capaz de perceber que, mesmo sendo um criminoso, Fagin é ainda menos mau e perigoso do que políticos e religiosos, ou seja, os homens considerados "benfeitores" que recebem do governo para cuidar dos pobres no orfanato mas que, na verdade, pouco repassam para o destino final.

Contudo, Oliver não é somente bondoso, mas ingênuo. Naturalmente inclinado ao bem e de caráter irrepreensível, ele não enxerga maldade no grupo que o acolhe e o alimenta, e não entende que o ato de retirar com agulha os nomes bordados dos lenços significa "reciclá-los" para que sejam usados ou vendidos. Muito menos entende que tudo o que possuem ali é motivo de roubo, e por isso torna-se motivo de galhofa no covil. É com este espírito que Jack Dawkins e Charley Bates, dois dos garotos mais espertos de Fagin, o envolvem em um roubo de livros, pelo qual, justamente pela inocência e pela ignorância, no sentido strictu da palavra, ele é preso e acusado. Novamente, esta é uma ocasião para o narrador criticar o sistema -- aqui, não a política ou a religião, mas o judiciário, porquanto o juiz abusa de seu poder e não reconhece erro em suas ações e julgamentos precipitados. Salva-se Oliver porque o livreiro chega no último momento para testemunhar que o garoto só tinha visto o roubo, e não executado, pelo que vira da cena através da vitrine da loja.

Um período de bonança acontece na vida do pequeno órfão, que é acolhido pelo rico e gentil Sr. Brownlow, que a ele curiosamente se afeiçoa, embora o amigo Grimwig desconfie de Oliver e o julgue igual a qualquer outro ladrãozinho da capital. O velhote se decepciona com Oliver quando este, mandado para a livraria a fim de pagar os livros, é raptado pela trupe de Fagin, graças à Betsy, ladra que não sabia das intenções de rapto de Fagin ao lhe contar onde o menino havia ido parar após o incidente do livro. Arrependida e querendo que Oliver tenha uma chance de ter uma vida diferente da desgraçada experiência que viveu, Betsy consegue encontrar um modo de avisar ao Sr. Brownlow que o menino está cativo por Fagin e seu comparsa, o violento Sikes, que também é companheiro de Betsy.

Algumas reviravoltas e subenredos acontecem na trama, como, por exemplo, Noah querer juntar-se a Fagin, Bumble casar-se com a matrona da paróquia e um médico pesquisar o passado de Oliver. Isso acontece depois de Sikes obrigar Oliver a entrar na casa do Sr. Brownlow para abrir a porta da frente, de modo a permitir que entrasse e roubasse o sobrado, Oliver denuncia o roubo e por isso leva um tiro dos donos da casa. Magoado com os acontecimentos, o Sr. Brownlow já não vivia ali, e Oliver acaba sendo deixado para trás para que a dona da casa tome conta dele. O médico que o cura se compadece de sua história e faz questão de encontrar o velho senhor para retirar a mácula do caráter do garoto perante o homem que havia sido tão bondoso com ele. Para isso, o Dr. Loberne procede a uma pesquisa sobre a vida do menino. Assim, enquanto Oliver se vê acamado, o leitor descobre que existe alguém muito interessado em manter sua vida no anonimato e na miséria, e que este alguém nada mais é senão Edward Leeford, meio-irmão de Oliver, por parte de pai, e herdeiro da fortuna deste, já que a segunda esposa havia sumido no mundo com a criança no ventre. Durante anos, Monks (pois este é o apelido do pária) havia subornado as pessoas para que Oliver se mantivesse esquecido, e rastreando o paradeiro do menino, chega mesmo a falar com Sikes e Fagin, mas as coisas não ocorrem como o esperado porque Oliver é novamente raptado por Sikes e, ao avisar o Sr. Brownlow do paradeiro do pequeno, Betsey é espancada até a morte pelo bandido e a polícia descobre o paradeiro de Sikes e de Fagin. Ao mesmo tempo, Oliver restitui sua liberdade, sua honra e seu dinheiro, posto que Leeford é pressionado por Brownlow, antigo amigo de seu pai, a conceder a Oliver o que é seu por direito de nascimento.

Oliver Twist vem, no século XIX, em defesa do pequeno órfão e da ideia rousseauniana de que o homem nasce naturalmente bom, mas a sociedade o corrompe -- a menos, é claro em raras exceções, como é o caso de Oliver (e talvez eu devesse me aprofundar na ideia de que os verdadeiramente bons nunca são corrompidos, mas seria uma longa resenha) --, num romance que, embora não seja exatamente realista, retrata de maneira muito crítica a sociedade londrina, a corrupção, a pobreza e a violência vigentes à época, principalmente no que concernia às crianças. Percepções como essa aliadas à ousadia da denúncia e à arte de saber denunciar valeram, para Dickens, a eterna glória de escritor essencial da era vitoriana.

Fonte de informações sobre o autor: http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Dickens